Programa da RTP3 sobre resíduos de pesticidas nos alimentos, convencionais e biológicos, produzidos na Suíça, na União Europeia e em países terceiros, transmitido a 12/07/2023, situação em Portugal e enquadramento europeu.
1.Principais conclusões desse programa (algumas relacionadas com a agricultura biológica e praticamente todas com o artigo do Público)
- Os alimentos de agricultura convencional produzidos na União Europeia têm resíduos de pesticidas em cerca de 50% das amostras analisadas, não havendo decréscimo de resíduos nos últimos anos;
- A maior parte desses resíduos estão abaixo do Limite Máximo de Resíduos (LMR) autorizado legalmente de cada pesticida (substância ativa) em cada alimento, com cerca de 3 a 4% acima desse limite legal;
- Os alimentos importados de países terceiros (exemplos mostrados de legumes e ervas condimentares da Tailândia e do Sri Lanka) têm mais resíduos, seja acima do LMR seja de substâncias ativas não aprovadas na UE e na Suíça;
- O programa de controlo analítico feito na Suíça nos últimos anos a esses produtos permitiu baixar as não conformidades de 50% para 10% dos alimentos importados e controlados;
- O número de substâncias ativas detetadas em cada alimento aumentou nos últimos anos;
- O teor de resíduos abaixo do LMR nem sempre é sinónimo de não ser perigoso para a saúde humana (ao contrário da posição oficial da EFSA na UE e da DGAV em Portugal);
- Um exemplo de toxicidade crónica grave abaixo do LMR é o do inseticida clorpirifos, antes considerado seguro dentro dos limites legais e mais tarde causador de malformações neurológicas nos bebés ainda dentro da barriga da mãe e por isso acabou por ser proibido na UE;
- Um outro fator que pode aumentar a toxicidade e o risco para a saúde humana é o efeito cumulativo de vários pesticidas, aspeto ainda pouco estudado pela ciência e impossível de estudar na totalidade dada o enorme número de possíveis misturas das mais de 300 substâncias ativas aprovadas só na Suíça (e ainda mais em toda a UE e muitas mais em todo o Mundo);
- Na Suíça o controlo de resíduos é feito anualmente a cerca de 2.000 amostras de alimentos convencionais e 200 amostras de alimentos biológicos;
- Os alimentos de agricultura biológica estavam praticamente isentos de pesticidas de síntese química, com apenas 3% de amostras com resíduos (contra 50% nos alimentos convencionais).
Notas às conclusões anteriores:
1.a) Na Estratégia da Comissão Europeia “From Farm to Fork” (Do Prado ao Prato), há dois objetivos quantificados relacionados com os pesticidas, i) reduzir em 50% o uso e o risco de pesticidas químicos até 2030 e, ii) reduzir em 50% o uso dos pesticidas mais tóxicos até 2030; Mas a realidade é outra e a intenção da mesma CE (com a intervenção da Agência Europeia da Segurança Alimentar – EFSA) em renovar a autorização para o herbicida glifosato (classificado em 2015 pela IARC/OMS como “cancerígeno” para animais e “provavelmente cancerígeno” para seres humanos), por mais 15 anos é disso um (mau) exemplo.
6.a) Os pesticidas disruptores endócrinos ou desreguladores hormonais (endocrine disruptor pesticides) atuam nos animais e no corpo humano em concentrações muito baixas imitando as hormonas naturais. Por isso concentrações desses pesticidas nos alimentos abaixo do LMR podem ser perigosas para os animais e para o ser humano. Isto é sabido há mais de 20 anos, mas os pesticidas com esse efeito tóxico continuam autorizados na União Europeia e em todo o Mundo e a sua reavaliação toxicológica já devia estar feita por recomendação do Parlamento Europeu, mas tem vindo a ser adiada pela EFSA, que é a autoridade europeia competente para o fazer.
7.a) O clorpirifos foi muito usado em Portugal, incluindo na Produção integrada (PRODI), modo de produção considerado sustentável pelo Ministério da Agricultura português, e uma medida agroambiental com o respetivo subsídio, ou seja andámos a subsidiar em Portugal um pesticida dos mais tóxicos para a saúde humana (para além de matar praticamente toda a fauna auxiliar contrariando os princípios da proteção e da produção integradas) com subsídios “agroambientais” (Medida 7.2 do PDR2020); Atualmente a PRODI em Portugal continua a poder usar todos os pesticidas homologados e com subsídio no PEPAC em “Ecorregime”, semelhante ao da agricultura biológica.
7.b) O clorpirifos foi defendido publicamente pelo anterior presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa (agora presidente da Mesa da AG da mesma confederação agrícola que integra a organização europeia COPA-COGECA que defende repetidamente o uso de pesticidas e da sua inclusão em medidas agroambientais ou de Ecorregime), dizendo que não devia ter sido proibido porque fazia muita falta aos agricultores portugueses;
7.c) O clorpirifos ainda é permitido e usado fora da UE, como é o caso da Ucrânia, em cujo trigo foram detetados já este ano resíduos deste pesticida.
2. Situação em Portugal quanto a resíduos de pesticidas nos alimentos (último relatório oficial relativo a 2021)
- Em Portugal (continental e insular) no número total de amostras analisadas anualmente (convencional e biológico) pela DGAV varia entre 500 e menos de 1.000, com os seguintes valores no último relatório anual divulgado em 2022 e relativo ao ano de 2021 – 828 amostras a alimentos de origem vegetal não transformados e 38 amostras a alimentos de origem animal.
- Nesse ano de entre as amostras referidas em 1) as de alimentos de agricultura biológica foram 42 em Portugal Continental e 21 na Região Autónoma da Madeira, totalizando 63.
- Em 2021 os resultados relativos a alimentos vegetais não transformados são de 41,7% de amostras sem resíduos, 52,1% com resíduos abaixo do LMR, e 6,2% com resíduos acima do LMR (dos quais 4,3% considerados em infração).
- Em 2021 os resultados relativos a alimentos de origem animal são de 2,6% de amostras sem resíduos, 0,0% com resíduos abaixo do LMR, e 94,7% com resíduos acima do LMR; estes valores são extremamente altos.
- Em 2021, considerando alimentos de origem vegetal e de origem animal, a taxa de infração (acima do LMR, mesmo considerando da margem de erro da análise), foi de 7%;
- Em 2021 quanto a resíduos múltiplos (de vários pesticidas na mesma amostra) e em relação a alimentos importados temos, peras com 9 pesticidas em 5 amostras, laranjas com 6 pesticidas em 3 amostras, morangos com 7 pesticidas em 1 amostra.
- Em 2021 quanto a resíduos múltiplos (de vários pesticidas na mesma amostra) e em relação a alimentos de produção nacional temos, uva de mesa com 10 pesticidas em 2 amostras, toranjas com 7 pesticidas em 1 amostra, cerejas com 7 pesticidas em 2 amostras, maçãs com 6 pesticidas em 3 amostras.
- Em 2021 quanto a resíduos em alimentos biológicos, foi detetado um resíduo (fluazifop em couve-brócolo) numa só amostra, ou seja 1/63 = 1,5%.
- Os resultados indicados em 3) são relativos a todas as amostras de produtos vegetais não transformados, incluindo os biológicos; tendo estes muito menos resíduos puxam os resultados para baixo, pelo que os valores de amostras com resíduos para os alimentos convencionais são mais altos dos os valores gerais apresentados.
3. Situação na União Europeia
- Estratégia da CE “From Farm to Fork” (Do Prado ao Prato), há dois objetivos quantificados, i) reduzir em 50% o uso e o risco de pesticidas químicos até 2030 e, ii) reduzir em 50% o uso dos pesticidas mais tóxicos até 2030.
- Nova legislação europeia sobre pesticidas esteve em consulta pública em 2022 e será publicada alegadamente com o objetivo de reduzir o seu uso e atingir os objetivos da Estratégia do Prado ao Prato.
- A CE propôs já este mês de julho legislação para os novos OGM, para desregulamentar uma boa tarde deles e, alegadamente, para com a sua utilização os agricultores reduzirem o uso de pesticidas; mas até agora, durante mais de 20 anos, a maioria dos OGM não só não reduziram esse uso, mas aumentaram muito o uso de herbicidas em particular o glifosato.
- A CE não classifica o glifosto com pesticida de risco para a saúde ou para o ambiente, apesar de classificado em 2015 pela IARC/OMS(*) como “cancerígeno” para animais e “provavelmente cancerígeno” para seres humanos; e na sequência dessa avaliação, sem base científica independente da indústria, a CE prepara-se para renovar a autorização do glifosato por mais 10 anos.
- A EFSA aumentou o LMR do glifosato na soja quando começou a ser cultivada a soja OGM tolerante a esse herbicida (que passou a ser aplicado sobre a cultura e a deixar resíduos no grão de soja colhido), de 0,1 mg/Kg para 20 mg/Kg de soja, ou seja 200 vezes mais e quando a IARC classificou o glifosato como “provavelmente cancerígeno” para seres humanos não alteou esse LMR.
Nota (*): A International Agency for Research on Cancer (IARC) é a Autoridade científica mundial quanto à classificação de substâncias cancerígenas, mas ainda assim a CE e a EFSA consideram que pode ter perigo, mas que não tem risco se forem cumpridas as normas para que as doses ou concentrações no corpo humano não atinjam níveis que provoquem esse efeito!?