Culturas de cobertura para adubação verde em agricultura biológica

Culturas de cobertura para adubação verde em agricultura biológica

As culturas de cobertura do solo quando realizadas com o objetivo principal de adubar a cultura principal, são designadas por adubação verde ou sideração (cover crops as a green manure).

Em agricultura biológica são uma das três práticas de base ou prioritárias de fertilização, sendo as restantes, i) a rotação de culturas e, ii) o estrume ou os sobrantes agrícolas, ambos com origem na agricultura e pecuária biológica e, de preferência, compostados.

No caso das culturas permanentes como olivais, pomares e vinhas, ou até certas hortícolas como o espargo ou a alcachofra, não podendo fazer a rotação, a prática da adubação verde deve ser considerada obrigatória em agricultura biológica.

Porventura nem todos os agricultores e técnicos agrícolas que trabalham neste modo de produção, estão conscientes disso.

No Regulamento (UE) 2018/848, do Parlamento Europeu e do Conselho, a “Bíblia” da agricultura biológica na União Europeia e uma referência para o resto do Mundo, no seu Anexo II (Regras de produção pormenorizadas referidas no  capítulo III), Parte I (Regras aplicáveis à produção vegetal), está indicado no ponto 1.9 (Gestão e fertilização do solo) o seguinte.

A fertilidade e a atividade biológica dos solos devem ser mantidas e aumentadas:

a) Exceto no caso dos prados ou das forragens perenes, pela rotação plurianual de culturas que inclua obrigatoriamente culturas leguminosas enquanto cultura principal ou de cobertura nas culturas da rotação e outras culturas para adubação verde;
b) No caso das estufas ou das culturas perenes que não as forrageiras, pelo uso de culturas leguminosas de ciclo curto para adubação verde, bem como a utilização da diversidade vegetal, e;
c) Em todos os casos, pela aplicação de estrume animal ou de matéria orgânica (vegetal), de preferência ambos compostados, provenientes  de produção biológica.

Esta prioridade à adubação verde tem a ver em primeiro lugar com a proibição de adubos químicos azotados. E se antes da invasão da Ucrânia pela Rússia esta proibição já se justificava (emissões poluentes de gases com efeito de estufa (GEE) no fabrico resultantes do  consumo e queima de perto de 2 toneladas de petróleo ou de gás metano por cada tonelada de azoto produzido; emissões de óxido de azoto (N2O) do terreno agrícola para a atmosfera, gases também classificados como GEE; poluição das águas subterrâneas com nitratos (NO3-), tendo Portugal 9 Zonas Vulneráveis de Nitratos com poluição há mais de 20 anos), com esta guerra ainda mais se justifica.

A Rússia é um grande produtor mundial de adubos azotados, por ter energia barata, e está a fazer chantagem com eles, ao ponto de a ONU e muitos países terem uma atitude subserviente, porventura por desconhecerem que o azoto se pode fabricar no terreno agrícola.

Felizmente que alguns agricultores e empresas agrícolas já o sabem e o praticam, como a Esporão SA, desde que converteu o seu olival à agricultura biológica em 2009 (fig. 1) e, dois anos depois, a sua vinha na Herdade do Esporão.

Culturas de cobertura para adubação verde em agricultura biológica
Faveta em adubação verde de vinha
de castas brancas em conversão para agricultura
biológica (Odemira, 28/02/2020) (foto do autor)

E quanto azoto pode o agricultor produzir no seu terreno?

Num acaso real praticado na campanha 2024/2025 numa vinha em agricultura biológica no Alentejo, com cultura de cobertura de faveta na entrelinha para adubação verde a produção e os nutrientes na parte aérea pesados e analisados foram os seguintes:

• Peso em verde/matéria fresca, em 1m2 = 4,6 kg = 46 t/ha (área de entrelinha semeada);
• Peso em seco/matéria seca, em 1m2 = 0,69 kg = 6,9 t/ha;
• Humidade = 85%;
• Matéria seca (MS) = 15%;
• Teor de azoto = 3,95 % na MS;
• Teor de fósforo = 0,51 % na MS;
• Teor de potássio = 3,00 % na MS;
• Teor de cálcio = 0,61 % na MS;
• Teor de magnésio = 0,28 % na MS;
• Teor de enxofre = 0,24 % na MS.

Azoto (N) na parte aérea do adubo verde

• Quantidade de azoto total por hectare de faveta = 6.900 Kg x 0,0395 = 272 Kg/ha

Com as entrelinhas a ocuparem 66% (2/3) da área da vinha, com faveta em metade das entrelinhas (a) ou em todas (b) temos:

a) 33% da área semeada (uma entrelinha em cada duas), N= 90 Kg/ha;
b) 66% da área semeada (todas as entrelinhas), N= 180 Kg/ha.

A maior parte deste azoto foi produzido pela simbiose faveta-rizóbio, sendo uma entrada de azoto do ar para o solo (adubação) sem qualquer entrada de adubo na parcela. O que entra é a semente que, no caso da faveta, são 100 Kg por hectare de área semeada, ou 66 Kg por hectare de vinha quando semeadas todas as entrelinhas excetuando as linhas da cultura.

Esta quantidade, que fica disponível em cerca e 50% no primeiro ano, pode ser suficiente como fonte de azoto quando repetida anualmente e tendo assim um efeito cumulativo.

Pode até ser azoto a mais no caso da vinha de vinho e em especial nas castas tintas em que não se pretende tanta quantidade quando se trabalha para a qualidade. E também para outras culturas permanentes pode e deve ser a principal fonte de azoto.

Com um solo a funcionar bem e com boa atividade do seu microbioma, acresce ainda a fixação biológica de azoto por bactérias não simbióticas presentes no solo ou a ele aplicadas através dos novos produtos comerciais que têm surgido no mercado com esta finalidade.

Mas devemos ter em conta que estas bactérias e estes produtos não substituem a adubação verde, pois esta é a prática de base e a simbiose leguminosa-rizóbio é mais eficiente na fixação biológica de azoto que as bactérias livres ou não simbióticas. E a adubação verde enquanto cultura de cobertura do solo tem muitas outras valências, i) na conservação e melhoria do solo agrícola, ii) na retenção de nutrientes impedindo a lixiviação no Inverno quando a cultura principal está inativa e, iii) no aumento da biodiversidade de fauna auxiliar na proteção biológica das culturas contra pragas e doenças.

Fósforo (P) na parte aérea do adubo verde

• Quantidade de fósforo total por hectare de faveta = 6.900 Kg x 0,0051 = 35 Kg/ha.

Com as entrelinhas a ocuparem 66% (2/3) da área da vinha, com faveta em metade das entrelinhas (a) ou em todas (b) temos:

a) 33% da área semeada (uma entrelinha em cada duas), P = 11,5 Kg/ha;
b) 66% da área semeada (todas as entrelinhas), P = 23,0 Kg/ha.

Potássio (K) na parte aérea do adubo verde

• Quantidade de potássio total por hectare de faveta = 6.900 Kg x 0,030 = 207 Kg/ha.

Com as entrelinhas a ocuparem 66% (2/3) da área da vinha, com faveta em metade das entrelinhas (a) ou em todas (b) temos:

a) 33% da área semeada (uma entrelinha em cada duas), K= 68 Kg/ha;
b) 66% da área semeada (todas as entrelinhas), K= 136 Kg/ha.

Cálcio (Ca)

• Quantidade de cálcio total por hectare de faveta = 6.900 Kg x 0,0061 = 42 Kg/ha

Com as entrelinhas a ocuparem 66% (2/3) da área da vinha, com faveta em metade das entrelinhas (a) ou em todas (b) temos:

a) 33% da área semeada (uma entrelinha em cada duas), Ca= 14 Kg/ha;
b) 66% da área semeada (todas as entrelinhas), Ca= 28 Kg/ha.

Magnésio (Mg)

• Quantidade de magnésio total por hectare de faveta = 6.900 Kg x 0,0028 = 19 Kg/ha

Com as entrelinhas a ocuparem 66% (2/3) da área da vinha, com faveta em metade das entrelinhas (a) ou em todas (b) temos:

a) 33% da área semeada (uma entrelinha em cada duas), Mg= 6 Kg/ha;
b) 66% da área semeada (todas as entrelinhas), Mg= 12 Kg/ha.

Enxofre (S)

• Quantidade de cálcio total por hectare de faveta = 6.900 Kg x 0,0024 = 16 Kg/ha

Com as entrelinhas a ocuparem 66% (2/3) da área da vinha, com faveta em metade das entrelinhas (a) ou em todas (b) temos:

a) 33% da área semeada (uma entrelinha em cada duas), S = 5 Kg/ha;
b) 66% da área semeada (todas as entrelinhas), S = 10 Kg/ha.

São, pois, quantidades substanciais que no caso dos nutrientes minerais (P, K, Ca, Mg, S) são retirados do solo e disponibilizados à cultura principal duma forma mais assimilável.

Jorge Ferreira
Engº agrónomo / consultor em agricultura biológica

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